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Japão e EUA, a quebra do social com o econômico

No artigo anterior eu tentei  fundamentar minha descrença em boa parte do pensamento econômico corrente, principalmente o pensamento mais main-stream. O ponto principal que tentei  colocar é que boa parte do pensamento econômico atual são um constructo intelectual não necessariamente baseado na realidade, mas sujeito aos pré-conceitos e crenças dos seus idealizadores.

Neste artigo tentarei demonstrar meu ponto de vista, e como cheguei a ele. Sendo descendente de japoneses, nascido no Brasil e interessado por mercados financeiros, acabei estudando muito o Japão, Brasil e Estados Unidos, e foi através do estudo comparativo entre esses países, mas principalmente entre os EUA e o Japão, que comecei a ficar bastante desconfiado dos dados econômicos, em particular dos dados referentes ao PIB e PIB per capita, tanto dolarizado quanto em PPP.

O meu ponto de partida é que riqueza e bons dados sociais têm uma correlação positiva muito forte, ou seja, você espera ver melhores indicadores sociais aonde há melhores indicadores econômicos, até porque os últimos seriam apenas um meio para os primeiros, pois o fim, creio eu, é uma melhor qualidade de vida, refletida numa maior expectativa de vida, mais saúde, menos violência, melhor infra-estrutura, mais educação, etc… E quando olhamos para o mundo real, geralmente é o que parece. Assim você verifica uma maior expectativa de vida, um nível educacional mais elevado, melhor infra-estrutura, e menos pessoas sendo afetadas pela violência, em famílias mais ricas que em famílias mais pobres, em bairros mais ricos que em bairros mais pobres, em cidades mais ricas que em cidades mais pobres, e em países mais ricos que em países mais pobres, mas e este, acredito, é um grande MAS, esta dinâmica se quebra totalmente quando comparamos os EUA com o resto dos países desenvolvidos, em especial com o Japão.

E porque vou separar, em específico, estes dois países para tentar explicar melhor minha tese?

Não é somente porque estes dois países são o melhor contraste entre a realidade e a economia, mas também para iluminar a narrativa econômica que vem sendo apresentada ao público nas últimas décadas, e como ela é no mínimo estapafúrdia, e tem como conseqüência visões completamente errôneas de mundo que geram políticas econômicas e sociais bastante equivocadas adotadas por vários países.

O consenso entre basicamente todos os economistas, tanto na mídia main-stream quanto na alternativa, é que o Japão está há quase três décadas em recessão e que os Estados Unidos estão em seu mais longo ciclo de crescimento econômico já registrado. Considerando estes dois cenários econômicos, em qual desses dois países você esperaria ver melhores indicadores sociais? Pela lógica, se o PIB representa a riqueza produzida pelo país em um ano, e se riqueza e melhores condições sociais têm uma correlação positiva, então seriam os Estados Unidos… 

Mas para minha surpresa, não foi o que observei, o cenário é completamente oposto, em praticamente todos os dados sociais o Japão está muito a frente dos Estados Unidos.  Muitas das vezes a distância que separa o Japão dos EUA (nos dados) é parecida ou maior da que separa os EUA do Brasil.

Para demonstrar essa afirmação, selecionei alguns dados sociais como exemplo. Começando pela educação, no último PISA em 2015, se você fizer uma média entre as três notas, o Japão ficou em 3º lugar no ranking geral, e em 1º entre os países (considerando Cingapura como cidade), os EUA em 31º e 28º, e o Brasil em 66º e 62º, foram 69 países avaliados.

Na taxa de homicídios por cem mil habitantes temos o Japão com 0,28/100.000 e 362 homicídios em um ano (a menor taxa entre os países), os EUA com 5,35/100.000 e 17.250 homicídios em um ano, e o Brasil com 29,53/100.000 e 61.283 homicídios em um ano, dados de 2016. 

Na taxa de encarceramento, nesta taxa quanto menor melhor, desde que o país tenha também taxas de criminalidades baixas, o Japão tem 41 por cem mil habitantes (51.805 encarcerados), o Brasil 324 por cem mil (690.722 encarcerados), e os EUA 655 por cem mil, a pior taxa do mundo, com uma população carcerária de mais de 2 milhões de pessoas.

Na taxa de mortalidade infantil temos o Japão em 2º lugar, atrás apenas de Mônaco, com 2 mortes por 1000 nascidos, os EUA em 56º com 5,8/1000 e o Brasil em 131º com 17,5/1000, dados de 2017 estimados pela CIA. 

Na expectativa de vida o Japão ficou em 1º lugar com 84,2 anos, os EUA em 34º lugar com 78,5 anos, e o Brasil em 74º lugar com 75,1 anos, dados de 2018 da Organização Mundial da Saúde. Ainda em relação a expectativa de vida os EUA vem apresentando queda nos últimos 3 anos, fato totalmente atípico para um país desenvolvido, e não registrado (nos EUA) desde o período da gripe espanhola entre janeiro de 1918 à dezembro de 1920. Boa parte deste declínio pode ser atribuída a um aumento no número de mortes por overdose (principalmente por opióides) que chegaram a mais de 72.000 em 2017, recorde histórico, e no número de suicídios que no mesmo ano foi de 14,4 por cem mil, mais de 47.000, também recorde histórico. Apesar de não chegar a ser a mesma taxa do Japão, 16 por cem mil, país famoso por possuir altas taxas de suícidio, o que salta aos olhos é que os dois países estão em caminhos opostos, enquanto os EUA estão em sua alta histórica, o Japão que teve 20.598 suicídios em 2018, está em sua baixa histórica, além disso se levarmos em conta que no Japão o suicídio não carrega um estigma tão forte , às vezes é até incentivado dependendo das circunstâncias (harakiri, seppuku, kamikaze), quanto em países cristãos, e que mais de 50% dos suícidios são relacionados a motivos de saúde, o contraste entre os dois países fica consideravelmente maior.

No número de moradores de rua a diferença  entre os dois países também é gritante, enquanto no Japão foram contabilizados menos de 5.000 moradores de rua em 2018, pelas estatíticas oficiais ( em torno de 12.500 pelas não oficiais), esses foram os menores números desde de que os dados começaram a ser coletados pelo governo em 2003, os Estados Unidos, novamente, estão no caminho inverso com mais de 550.000 moradores de rua em 2018. E, com aumentos significativos nos últimos anos, várias cidades vem apresentando problemas crônicos relacionados a essas taxas crescentes, como Seatle com taxas extremamente altas de roubos e furtos em determinadas áreas, Los Angeles voltando a ter doenças da Idade Média, e São Francisco com problemas  de excesso de siringas descartáveis e fezes humanas em suas ruas.

Na infra-estrutura também temos um distânciamento muito grande entre os EUA e o Japão, um bom exemplo são os trens de alta velocidade ou shinkansens, enquanto o Japão já ligou as suas três principais ilhas (Kyushu, Honshu e Hokkaido) por trens de alta velocidade, e esta terminando de ligar praticamente todas as principais cidades destas três ilhas, com Nagasaki, meio milhão de habitantes, e Sapporo, 2 milhões, já em estágios iniciais de construção, os Estados Unidos não têm nenhuma linha, e a única que estava em construção, na Califórnia, está atualmente paralisada por falta de fundos.

Mais um exemplo é o Hyperloop proposto por Elon Musk, projeto que supostamente irá revolucionar o transporte de massa nos EUA e no mundo, se algum dia for implantado… Só que o Japão já o está construindo, só não o chama de Hypeloop, mas de Chuo Shinkansen, trem maglev que viajará a 500 km/h (velocidade inicial, mas provavelmente irá aumentar  ao longo dos anos, como aconteceu com o shinkansen normal), com boa parte de seu percurso dentro de um tubo debaixo da terra.

E, essa mesma dinâmica se apresenta quando você verifica a situação das ruas e rodovias, dos metrôs, dos portos e aeroportos.

Enfim, os dados de infra-estrutura não são muito objetivos, são mais classificações subjetivas feitas por publicacões e institutos que variam muito em seu grau de acuidade e interesse nos resultados, e quanto mais você analisa os dados dessas publicações e instituições, mais você percebe que há uma grande manipulação com o ituito de apresentar um cenário para a população e para o resto do mundo que é muito diferente e melhor do que realmente é, um exemplo é o ranking mundial de universidades (há um grande interesse monetário por trás destes tipos de rankings) , em outro exemplo, dependendo do que é considerado sistema de transporte ferroviário urbano, Tokyo é muito melhor e muito maior ( + de 2.210 estações e + de 4.714 km de extensão) que o de Nova Iorque (472 estações, e 1.070 km de extensão), ou é menor, mas se você não fizer uma pesquisa mais aprofundada ,você só encontrará artigos falando que o metrô de Nova Iorque é o maior do mundo. E isso ocorre com praticamente todos os dados que dão alguma margem de manipulação, e como a mídia no Brasil e EUA praticamente só reproduzem notícias e dados de publicações anglo-saxãs e européias, a imagem de mundo que acaba ficando na cabeça de muita gente é bastante distorcida e enviesada. Dito isto, o Japão ainda assim, aparece bem a frente dos EUA em todos, ou quase todos, os rankings relacionados a infra-estrutura que pesquisei.

Um dos poucos dados sociais em que os EUA vão melhor que o Japão é o dado do IDH, 0,924 e 0,909 (quanto mais próximo de 1 melhor), que por sinal é um dos dados mais divulgados. Mas este índice é bem tendencioso e intencionalmente mau feito. Os seus criadores usaram 3 dados para construí-lo, um dado referente a educação, a expectativa de vida, e o PIB per capita (os autores misturaram dois dados sociais com um econômico). Em relação ao PIB e ao PIB per capita, vale lembrar que eu não os levo muito a sério, até porque um dos objetivos desta série de artigos têm sido a desconstrução da credibilidade do pensamento econômico main-stream e dos seus indicadores, em especial  esses dois, objetivo, creio eu, inverso ao dos criadores do IDH. Mas mesmo considerando a veracidade do dado do PIB per capita, o Japão ainda é muito melhor que os EUA nos outros dois dados, ou seja, os criadores deste indicador “tão importante” tiveram que dar um peso muito maior ao indicador que os EUA vão melhor, para que no resultado final, ele fique bem classificado neste ranking. Para mim esta foi uma atitude pensada, intencional e bem capciosa, é só observar o nome que deram a este índice, IDH – Índice de Desenvolvimento Humano. É, praticamente, o índice que define se um país tem bons indicadores sociais, ou não. Desconsidere todos os demais índices…  Parecem sugerir seus criadores!

Por fim vamos contrapor a estes dados, os dados do PIB e PIB per capita do Japão e dos EUA. Em 1995, o PIB dos EUA foi de 7,639 trilhões de dólares, com uma população de 266 milhões, temos um PIB per capita de 28.671 US$,  o PIB do Japão, no mesmo ano, foi de 5,449 trilhões de dólares, com uma população de 125 milhões, o PIB per capita foi de 43.441US$, infelizmente para este ano não consegui os dados do Japão em PPP. Pulando para o ano de 2018 o PIB americano foi de 20,891 trilhões de dólares, com uma população de 327 milhões, temos um PIB per capita de 62.518US$, como o dólar é a moeda de referência para o cálculo do PPP, o PIB e o PIB per capita dos EUA tanto em dólares quanto em PPP são iguais, já o PIB do Japão para 2018 em dólares foi de 5,071 trilhões, com uma população de 126,5 milhões, o PIB per capita foi de 40.106 dólares, e os valores em PPP foram respectivamente de 5,632 trilhões e 44.550US$, ou seja, nesses 25 anos tivemos (para o Japão) uma retração em dólares e um crescimento inexpressivo em PPP… 

Haja visto o exposto, faz sentido dados econômicos e sociais tão destoantes? Será que com dados sociais tão piores uma população consegue ser tão mais produtiva que outra com dados sociais tão melhores? Educação, saúde, segurança e infra-estrutura têm tão pouca influência na produtividade? Ou o PIB e o PIB per capita, dois dos principais indicadores econômicos, estão equivocados? Some-se a isso o fato que os dados do PIB e PIB per capita em dólares e em PPP poderem ter uma variação brutal, por exemplo o PIB chinês em dolares e em PPP foram respectivamente de 14,216 trilhões de US$/ 27,331 trilhões de US$, e o russo foram de 1,610 trilhão de US$/ 4,357 trilhões de US$.  Se algo está errado, o que seria este ou estes erros? Esse foi sempre o caso, ou algo mudou para tornar as coisa tão confusas?

No artigo anterior tentei mostar a fraca base sobre a qual foi erigida quase todas as teorias econômicas.

Neste artigo tentei mostrar a falha dessas teorias econômicas num dos poucos testes possíveis,  a correlação entre os dados sociais e econômicos.

No próximo artigo tentarei responder as vária perguntas levantadas até aqui, explicar o que o PIB realmente mede, porque isso ocorre, como chegamos a essa situação, se há algum índice mais acurado, e quais as possíveis consequências na economia destes erros de medição.

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